sexta-feira, 12 de agosto de 2011

O DESENCARNE DE CHICO XAVIER

 
Há 6 anos, no dia 30 de Junho de 2002, nosso querido Chico Xavier retornava ao Plano Espiritual. Relembrando esta data, trago para vocês uma breve descrição do que ocorreu ‘do outro lado da vida’ (paralelamente ao velório no plano físico): uma merecida recepção a esse maravilhoso médium, que tanto fez pela Doutrina Espírita e por todos nós... Que todos nós possamos aproveitar para refletir... 
(Esta descrição foi realizada pelo Espírito Inácio Ferreira, e está presente no livro “Na Próxima Dimensão”, psicografado pelo médium Carlos Alberto Baccelli.) 
*   *   *
 
São estas as palavras do Dr. Inácio Ferreira, ex-médico já desencarnado:
(...) No Mundo Espiritual, nosso irmão Lilito Chaves veio ao nosso encontro e anunciou o que, desde algum tem­po, aguardávamos com expectativa: a desencarnação do médium Francisco Cândido Xavier, o nosso estimado Chico. O acontecimento nos impunha rápidas mudan­ças de planos, impro­visamos uma excursão à Crosta para saudar aquele que, após cumprir com êxito a sua missão, retornava à Pátria de origem. 
Assim, sem maiores delongas, Odilon, Paulino e eu, juntando-nos a uma plêiade de companheiros uberabenses desencarnados, rumamos para Uberaba no começo da noite daquele domingo, dia 30 de junho. 
A caminho, impressionava-nos o número de grupos espirituais, procedentes de localidades diversas, do Brasil e do Exterior, que se movimentavam com a mesma finalidade. 
Todos estávamos profundamente emocionados e, mais comovidos ficamos quando, esta­cionando nas vizinhanças do “Grupo Espírita da Pre­ce”, onde estava sendo realizado o velório, com o corpo exposto à visitação pública, observamos uma faixa de luz resplandecente, que, pairando sobre a humilde casa de trabalho do médium, a ligava às Esferas Superiores, às quais não tínhamos acesso. 
Conversando conosco, Odilon observou: 
— Embora, evidentemente, já desligado do corpo, nosso Chico, em espírito, ainda não se ausentou da at­mosfera terrestre; os Benfeitores Espirituais que, duran­te 75 anos, com ele serviram à Causa do Evangelho, estarão, com certeza, à espera de ordens superiores para conduzi-lo a Região Mais Alta...  De nossa parte, permaneçamos em oração, buscando reter conosco as lições deste raro momento.
Aproximando-nos quanto possível, notamos a for­mação de duas filas imensas, constituídas de irmãos en­carnados e desencarnados, que reverenciavam o companheiro recém-liberto do jugo opressor da matéria: eram espíritos, no corpo e fora dele, extremamente gratos a tudo que haviam recebido de suas mãos, a vida inteira dedicadas à Caridade, na mais fiel vivência do “amai­-vos uns aos outros”. Mães e pais que, por ele haviam sido consolados em suas dores; filhos e filhas que pude­ram reatar o diálogo com os genitores saudosos, escre­vendo-lhes comoventes páginas do Outro Lado da Vida; famílias desvalidas com as quais repartira o pão; doen­tes que confortara agonizantes em seus leitos; religiosos de todas as crenças que, respeitosos, lhe agradeciam o esforço sobre-humano em prol da fé na imortalidade da alma... 
Não registramos nas imediações, é bom que se diga, um só espírito que ousasse se aproximar com intenções infelizes. Os pensamentos de gratidão e as preces que lhe eram endereçadas, formavam um halo de luz protetor que tudo iluminava num raio de cinco quilômetros; po­rém essa luz amarelo-brilhante contrastava com a faixa de luz azulínea que se perdia entre as estrelas no firmamento.  
A cena era grandiosa demais para ser descrita e desafiaria a inspiração do mais exímio gênio da pintura que tentasse retratá-la. Uma música suave, cujos acor­des eu desconhecia, ecoava entre nós, sem que pudés­semos identificar de onde provinha, como se invisível coral de vozes infantis, volitando no espaço, tivesse sido treinado para aquela hora. 
Espíritos mais simples que passavam rente comen­tavam: 
— “Este é um dos últimos... Não sabemos quando a Terra será beneficiada novamente por um espírito de tal envergadura”; “Este, de fato, procurava viver o que pregava”.   “Quem nos valerá agora?”;  “Durante muitos anos, ele matou a fome da minha família... “Lembro-me de que, certa vez, desesperado, com a idéia de suicí­dio na cabeça, eu o procurei e a minha vida mudou”; “Os seus livros me inspiraram a ser o que fui, livrando-me de uma existência medíocre”;    “Quando minha avó morreu, foi ele quem pagou seu enterro, pois, à época, éramos totalmente desprovidos de recursos”;    “Fundei minha casa espírita sob a orientação de Chico Xavier, que recebeu para mim uma mensagem de incentivo e de apoio”;    “Comigo, foi diferente: eu estava doente, de­senganado pela Medicina, ele me receitou um remédio de Homeopatia e fiquei bom”...
 
Os caravaneiros não cessavam de chegar, todos portando flâmulas e faixas com dizeres luminosos; creio sinceramente que, em nosso Plano, jamais houve uma recepção semelhante a um espírito que tivesse deixado o corpo, após finda a sua tarefa no mundo; com exceção do Cristo e de um ou outro luminar da Espiritualidade, ninguém houvera feito jus ao aparato espiritual que se organizara em torno do desenlace de Chico Xavier. 
Com dificuldade, logrando adentrar o recinto do “Grupo Espírita da Prece”, reparamos que uma comis­são de nobres espíritos, dispostos em semicírculo, todos trajando vestes luminescentes, permanecia, quanto nós mesmos, em expectativa. Odilon sussurrou-me ao ouvi­do: 
— Inácio, estas são as entidades que trabalharam com ele na chamada “Coleção de André Luiz”; são os Mentores das obras que o nosso André reportou para o mundo, no desdobramento do Pentateuco Kardeciano:   Clarêncio, Aniceto, Calderaro, Áulus e tantos outros...
E aqueles que estão imediatamente atrás? — inda­guei. 
— São alguns representantes da família do mé­dium e amigos fiéis de longa data. 
— E onde estão Emmanuel, nosso Dr. Bezerra de Menezes e Eurípedes Barsanulfo? Porventura, ainda não chegaram?...  
— Devem estar — respondeu — cuidando da organi­zação...
 
Ao lado do seu corpo inerte, nosso Chico, segundo a visão que tive, me parecia uma criança ressonando, tranqüila, no colo de um anjo transfigurado em mulher, fazendo-me recordar, de imediato, a imagem de “Pietà”, a famosa escultura de Michelangelo. 
— Quem é ela? — perguntei. 
— Trata-se de D. Cidália, a sua segunda mãe... 
— E D. Maria João de Deus?... 
— Ao que estou informado — esclareceu Odilon —, encontra-se reencarnada no seio da própria família. 
— E seu pai, o Sr. João Cândido? 
— Está em processo de reencarnação, seguindo os passos da primeira esposa.
 
Adiantando-se, nosso Lilito indagou: 
— Odilon, na sua opinião, por que o Chico está parecendo uma criança? 
— Ele necessita se refazer, pois o seu desgaste, como não ignoramos, foi muito grande, mormente nos últimos anos da vida física; nosso Chico carece de se desligar completamente... 
— Perderá, no entanto, a consciência de si? 
— É evidente que não. O seu verdadeiro despertar acontecerá gradativamente, à medida em que se recupe­re da luta sem tréguas que travou... Aliás, a Espiritualidade Superior, nos últimos três anos, vinha trabalhando para que a sua transição ocorresse sem traumas, tanto para a imensa família espírita, que o venera, quanto para ele próprio. 
 
Inúmeras caravanas e representações continuavam chegando, formando extensas filas, que se postavam paralelas às filas organizadas pelos nossos irmãos encar­nados, a comparecerem ao velório para render a Chico Xavier merecidas homenagens. 
Dezenas e dezenas de jovens formavam grupos especiais que vinham recebê-lo no limiar da Nova Vida, gratos por ter sido ele o seu instrumento de consolo aos familiares na Terra, quando se viram compelidos à desencarnação...
 
A tarefa de Chico Xavier — explicou Odilon, emocionado — não tem fronteiras; raras vezes, a Espiritualidade conseguiu tamanho êxito no campo do intercâmbio mediúnico... No entanto a força que o sus­tentava nas dificuldades vinha de Cima, pois, caso con­trário, teria sucumbido às pressões daqueles que, encar­nados e desencarnados, se opõem ao Evangelho. Chico, por assim dizer, ocultou-se espiritualmente em um cor­po franzino e deu início ao seu trabalho, sem que  praticamente ninguém lhe desse crédito; quando as trevas o perceberam, já havia atravessado a faixa dos vinte de idade e em franco labor, tendo pronto o “Parnaso de Além-Túmulo”, a obra inicial de sua profícua e excelen­te atividade psicográfica...
 
Estávamos todos profundamente emocionados. A multidão, dos Dois Lados da Vida, não parava de cres­cer e, assim como no Plano Físico os policiais cuida­vam da organização, na Dimensão Espiritual em que nos situávamos, Entidades diversas haviam sido encar­regadas de disciplinar a intensa movimentação, sem que nenhum de nós se sentisse encorajado a reclamar qual­quer privilégio com o propósito de uma maior aproxi­mação. Quase todos nos conservávamos em atitude de profundo silêncio e de reverência.
 
Os grupos de espíritos que haviam, ao longo de seus 75 anos de labor, trabalhado com o médium, com exceção, evidentemente, daqueles que já haviam reencarnado, se faziam representar pelos seus maiores expoentes no campo da Poesia e da Literatura.
 
Próxi­mas a Cidália, em cujos braços Chico Xavier descansava, à espera de que o cortejo fúnebre partisse conduzin­do os seus restos mortais, notei a presença de algumas entidades femininas que eu não soube identificar.
— Quem são? — perguntei a Odilon, que era um dos poucos dentre nós com plena liberdade de movi­mentar-se. 
— Aquelas quatro primeiras, são as nossas irmãs Meimei, Maria Dolores, Scheilla e Auta de Souza; as demais são corações maternos agradecidos que, em uma ou outra oportunidade, se expressaram pela mediunidade psicográfica do nosso Chico. 
— Quem estará na coordenação do evento? — in­sisti, ansioso por maiores esclarecimentos. 
— O Dr. Bezerra de Menezes e Emmanuel, asses­sorados diretamente por José Xavier — respondeu. 
— José Xavier?... 
— Sim, o irmão do médium, que está conduzindo um grupo de espíritos amigos de Pedro Leopoldo e re­gião; quando Chico se transferiu para a cidade de Uberaba, em 1959, os seus vínculos afetivos com a sua terra natal não se desfizeram; os espíritas que constituí­ram o Centro Espírita “Luiz Gonzaga” sempre se senti­ram membros de uma única família.      
— E aquele casal mais próximo que, de quando a quando, dialoga com Cidália? 
— José Hermínio e D. Carmem Perácio; foram eles que iniciaram Chíco Xavier no conhecimento da Doutrina Espírita, doando-lhe exemplares de “O Livro dos Espíritos” e de “O Evangelho Segundo o Espiritis­mo”...  
Pude perceber, com clareza, que os filamentos perispirituais que uniam o espírito recém-desencarnado ao corpo enrijecido, se enfraqueciam gradualmente; sem dúvida, o médium, assim que se lhe cerraram os olhos físicos, desprendeu-se da forma material, no entanto, devido à necessidade de permanecer durante 48 horas exposto à visitação pública, conforme era seu desejo, exigia que o corpo, de certa forma, continuasse a rece­ber suplementos de princípio vital, evitando-se os cons­trangimentos da cadaverização. Embora aconchegado aos braços daquela que havia sido na Terra a sua segun­da mãe e grande benfeitora, o espírito Chico guardava relativa consciência de tudo... 
As expectativas de quase todos, porém, se concen­travam sobre aquela faixa de luz azulínea, a qual, à medida que se abeirava a hora do sepultamento, se in­tensificava; tínhamos a impressão de que aquele cami­nho iluminado era a passagem para uma Dimensão Des­conhecida, para a qual, com certeza, Chico Xavier ha­veria de ser conduzido. 
Dentro de poucos instantes, o silêncio se fez natu­ralmente maior e um venerável senhor, ladeado por Ir­mão José e Herculano Pires, este um dos vultos mais importantes da Doutrina nos últimos tempos, assomou discreta tribuna e começou a falar. 
— Quem é? Perguntei, à meia-voz... 
— Léon Denis — respondeu-me Odilon com um sussurro. 
— “Meus irmãos — disse o inesquecível discípulo de Allan Kardec — eis que aqui nos encontramos reuni­dos, para receber de volta ao nosso convívio, aquele que, uma vez mais, cumpriu exemplarmente a missão que lhe foi confiada pelo Senhor de nossas vidas. Eleve­mos ao Infinito os nossos pensamentos de gratidão e de reconhecimento, porquanto sabemos das dificuldades que o espírito que moureja na carne enfrenta para des­bravar caminhos à Verdade; o nosso amigo e mestre que, após longa e desgastante peleja, agora retorna à Pátria Espiritual, se constituiu num verdadeiro exemplo, não somente para os nossos irmãos encarnados, mas igualmente para os que necessitamos renascer no orbe e, por vezes, nos sentimos desencorajados... (...) Um ciclo se encerra, mas outro deve come­çar (...)”
 
Passados alguns instantes da alocução proferida por Léon Denis, perfumada aragem começou a soprar, balsamizando o ambiente. De onde será que provinha aquele suave perfume que, aos poucos, se intensificava, impregnando-nos o corpo espiritual? Tínhamos a im­pressão de que, caindo de Esferas Resplandecentes, aque­le orvalho celeste, constituído de diminutos flocos lumi­nosos, antecedia o momento em que o espírito Chico Xavier seria conduzido à ignota região da Vida Sem Fim. 
Quando o fenômeno a que tento me referir se fez mais evidente, algumas explosões começaram a ocorrer na extensa faixa de luz azulínea que, agora, ia mudando de tonalidade, como se um arco-íris se estivesse materi­alizando diante dos nossos olhos. 
Gradativamente, cin­co entidades foram se fazendo visíveis para nós, tangibilizando-se no pequeno espaço que me parecia reproduzir produzir a abençoada estrebaria em Belém... 
Os cinco espíritos, que não posso lhes dizer que tenham assumi­do forma propriamente humana, foram sendo identifi­cados por nós: eram Bezerra de Menezes,  Emmanuel,  Eurípedes Barsanulfo,  Veneranda  e Celina, a excelsa mensageira de Maria de Nazaré. 
Diante da estupenda visão, todos sentimos ímpe­tos de nos ajoelharmos; muitos, efetivamente, se ajoe­lharam, com os olhos banhados de lágrimas. 
Bezerra de Menezes, Emmanuel e Eurípedes Barsanulfo estavam, por assim dizer, mais humanizados, no entanto Veneranda e, especialmente, Celina, nos pareciam dois anjos alados, falenas divinas que se tivessem metamorfoseado apenas para que pudéssemos vê-las... Eu tinha a impressão de estar participando de um sonho que transcendesse a mais fértil imaginação. 
Adiantando-se aos demais companheiros, Veneranda, que o tempo todo pairava no ar, começou a orar com sentimento que a palavra não consegue tradu­zir: 
— “Senhor da Vida — exorou, sensibilizando-nos pro­fundamente — aqui estamos para receber, de volta ao nosso convívio, um dos Vossos servidores mais fiéis que, após quase um século de lutas acerbas pela causa do Vosso Evangelho na Terra, regressa ao Grande Lar, com a consciência do dever cumprido.  
“Que as Vossas bên­çãos envolvam o espírito naturalmente exaurido, resti­tuindo-lhe as energias que se consumiram de todo por amor do Vosso Nome entre os homens, nossos irmãos! Que do seu extraordinário esforço não se perca, Mestre, uma única gota de suor, das que se misturaram às lágri­mas anônimas vertidas por ele no testemunho da Fé.
“Que o trabalho de sua profícua existência no corpo físi­co continue a ser prodigiosa sementeira para as gera­ções do porvir, apontando o Caminho para quantos an­seiam por seguir os Vossos passos... 
“Senhor, os que tão-somente agora, depois de séculos e século de sombras, nos convencemos da Vossa magnanimidade, vos agra­decemos por não terdes consentido que o nosso irmão sucumbisse diante das provas e, em nada, se afastasse da trajetória que lhe traçaste no mundo — sabemos que, nos momentos mais difíceis, sem que nós mesmos pu­déssemos perceber, a Vossa mão o sustentava para que não tombasse sob o peso da cruz que lhe pusestes aos ombros... Nós vos louvamos por terdes realizado nele a obra consagrada do Vosso amor, que, um dia, redimirá a Humanidade inteira. 
“E que, agora, ainda unidos ao espí­rito companheiro que soube transformar-se em exemplo de renúncia e de sacrifício, de desprendimento e de ab­negação, possamos dar seqüência à tarefa que iniciastes há dois mil anos, da edificação do Reino de Deus sobre a face da Terra!... 
“Que a claridade sublime das Altas Esferas não nos faça ignorar os vales de sombras dos quais procedemos e nos quais acendestes, para sempre, a Vossa Luz... Que não nos seja lícito o descanso, en­quanto o orbe planetário, onde tantas vezes expiamos as nossas faltas, se transfigure em estrela de real grandeza, a fulgir na glória dos mundos redimidos. 
“Abençoai, Se­nhor, os nossos propósitos que são os Vossos e que, hoje e sempre, possamos  exaltar-Vos o Nome através de nossas vidas!...” 
Terminando de orar, Veneranda e Celina se aproxi­maram de Cidália, que continuava a aconchegar em seu materno coração o espírito que foi nosso Chico, o qual, de quando a quando, estampava cândido sorriso, como se fosse uma criança participando de um sonho bom do qual jamais ousasse acordar. 
O silêncio reinante era de tal ordem, que, aos nos­sos ouvidos, a voz inarticulada da Natureza nos parecia uma sinfonia; de minha parte, confesso-lhes que eu nunca tinha ouvido a música dos astros e nem podia imaginar que o próprio silêncio tivesse voz. 
A faixa de luz azulínea que se transformara num arco-íris ainda se mostrava mais viva, e todos permane­cíamos na expectativa do que não sabíamos pudesse acontecer. 
Direcionando os sentidos, quis ver, naquela hora, como os preparativos para o féretro estavam desenvol­vendo-se no Plano Físico e, justamente, quando começou a ser entoada a canção “Nossa Senhora” e os nos­sos irmãos começaram a movimentar-se, dando início ao cortejo, uma Luz indescritível, descendo por aquele leque iluminado que ligava a Terra ao Infinito — a faixa de luz que ali se instalara logo após ter sido armado o velório no “Grupo Espírita da Prece” —, uma Luz que, para mim, era muito superior à luz do próprio Sol e que me acionava a memória para a lembrança da visão que Paulo teve do Cristo, às portas de Damasco, repetiu com indefinível ternura
— “Vinde a mim, todos os que andais em sofri­mento e vos achais carregados, e eu vos aliviarei. Tomai sobre vós o meu jugo, e aprendei de mim, que sou man­so e humilde de coração, e achareis descanso para as vossas almas. Porque o meu jugo é suave e o meu fardo é leve”.
 
Aquela Extraordinária Visão, que sequer povoava os meus sonhos mais remotos de espírito devedor, es­tendeu dois braços humanos reluzentes e, quando notei que o Chico em espírito se transferia dos braços de Cidália para aqueles Braços que o atraíam, digo-lhes que, desde quando fui beneficiado com o laurel da ra­zão, não tenho recordação de jamais ter chorado tan­to... 
Aquela Luz, que se humanizava parcialmente para que pudéssemos vê-la, estreitou Chico Xavier ao peito e depositou-lhe um ósculo santo na fronte e, em seguida, partiu, levando-o consigo, despedindo-se com  inesquecível sorriso dos que continuavam presos ao abismo, sentenciados pelo tribunal da consciência culpada. 
 
Foi Odilon que, depois de muito tempo, conseguiu falar, comentando conosco: 
        — Eu sempre que lia as páginas do Velho Testamento, ficava intrigado e colocava em questão a narrati­va de que o profeta Elias fora conduzido ao céu por “um carro de fogo”... Agora sei que não se tratava de força de expressão ou algo semelhante. 
        (...) 
        Um grande vazio se fez após e, gradativamente, a faixa de luz foi se recolhendo de baixo para cima, à medida em que o cortejo celestial se retirava. 
        A praça em que nos havíamos reunido já se encon­trava praticamente vazia; diversos grupos, procedentes de várias regiões da Espiritualidade, haviam partido e, agora, os curiosos e desocupados de além-túmulo se aproximavam, como que para vasculhar os espólios do concorrido velório...
 
        Contrastando com a luz do corpo espiritual de eminentes entidades, esses outros nossos irmãos se mostravam opacos em seu novo veículo de expressão, dando-me a impressão de que, embora  desencarnados, ainda não tinham logrado completa emancipação; muitos caminhavam sem qualquer desenvoltu­ra, qual se fossem doentes com dificuldade para mudar o passo... 
        Identificando-nos na condição de adeptos do Espi­ritismo e amigos de Chico Xavier, começamos a ser abordados por aquelas entidades infelizes que, aos meus olhos, se assemelhavam a sobreviventes onde houvesse sido travada intensa batalha. A grande maioria exibia as vestes em farrapos e, além da obscuridade espiritual à qual já me referi, deixavam exalar de si quase insuportá­vel odor... 
        — Por favor, auxiliem-nos! — disse-nos um deles, adiantando-se aos demais —Estamos convencidos de que, realmente, o mal não compensa... O que vimos acontecer hoje, aqui...  ...
 
        Olhando-me, significativamente, Odilon comentou: 
        — Quantas bênçãos a vida e a suposta morte de um verdadeiro homem de bem pode espalhar! Quantos não estarão sendo motivados à renovação íntima, ante o episódio da desencarnação do nosso Chico! ... Ele que, no corpo, descerrou caminhos para tanta gente, ao dei­xar a vestimenta física, prossegue orientando com os seus exemplos os que se desnortearam além da morte.   
        Faz-me recordar o que disse Jesus, no capítulo 12, versículo 24, das anotações de João: “Se o grão de tri­go, caindo na terra, não morrer, fica ele só; mas, se morrer, produz muito fruto”...